Sonhei

sábado, 16 de maio de 2009

Não queria ir dormir, ainda estava cedo, havia muito mais de interessante a se fazer. Não queria acordar, ainda estava cedo, precisava descansar.


No ônibus, uma garota usando a farda de uma escola pública me observava com um ar de dúvida e condenação. Devia estar supondo e imaginando como seria minha vida, a de uma garota com a blusa um pouco mais limpa que a sua. Gostaria de poder explicá-la que não é bem assim, que não sou desprovida de dificuldades, como vi pelo seu olhar, que ela supunha. No mundo em que ela crê que vivo, uma garotinha não poderia voltar para casa de ônibus. Então, após minha resumida explicação, talvez ela me sorrisse um sorrisinho descrente e azedo, e se oferecesse para segurar meus livros. Eu poderia iniciar um diálogo, não somente para o tempo passar mais depressa, como para limpar a imagem ruim que ela tinha de mim. Eu poderia dizer-lhe que na noite anterior escutei diversas vezes “All My Loving”, imaginando-me com vestidinho de princesa em um baile acompanhada pelo mais belo par. E que adoro café com leite em pó e leite líquido com cereal de chocolate, como nos seriados da TV. E então, eu poderia dizer-lhe que adoraria acordar como acordo em todos os domingos. Ao contrário da maioria, eu adoro os domingos. É dia de Pânico, igreja e almoço comprado. Talvez ela também gostasse dos domingos e, então, nós teríamos algo em comum. E aí eu teria intimidade para confessar-lhe que não tenho amigo algum que more longe, mas que, ainda assim, sinto falta de muitos deles. Nesse momento, alguém iria descer do ônibus e eu me sentaria ao seu lado. Talvez eu comentasse que sinto saudade dos meus longos cabelos e tentasse mostrar-lhe com gestos o tamanho que ele possuía. Ela poderia dar risada e então me contaria um pouco mais sobre sua vida. Eu poderia dizer-lhe que ando assustada, com medo de me apaixonar por alguém que não se apaixonaria por mim. E então, eu lhe diria que me imagino deitada sob um pé de macieira, como aquelas que fazem sombra e sempre desenhamos ao lado de uma casinha quando somos pequenas. Ela poderia até me achar louca, mas duvido que o dissesse. Talvez eu acompanhasse uma canção que acabara de tocar na rádio e ela gostasse tanto da voz quanto eu. Talvez aí, soubéssemos de algo a mais em comum. Eu iria dizer-lhe, se ainda me restasse algum tempo, que gostava do tom de sua pele, bastante branca. Talvez gélida, mas não pude tocá-la para saber. Lembraria, então, de perguntar seu nome e gravá-lo em minha memória, como o de minha nova amiga. Talvez aí, ela até gostasse de mim. Mas eu não o fiz. Não lhe falei sobre a música do dia anterior nem do medo de viver um amor platônico. Iria descer na próxima parada e ela, certamente, continuaria me achando uma garotinha de contos de fadas.

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