Só mais uma de amor

sábado, 19 de setembro de 2009

Eu estava sozinha em casa. Num sábado à noite, sozinha em casa enquanto todos os meus amigos se disseminavam mundo a fora. As praias seriam aos poucos preenchidas por corpos bronzeados e cobertos por pouca roupa. Há pouco, minha mãe havia me perguntado o porquê de eu não estar presente em uma destas tertúlias. Não soube responder. Tratava-se apenas de mais um sábado tedioso que decorreria em um domingo tedioso. Nenhuma aspiração, nenhuma cobiça, apenas uma torta de limão e alguns discos.

Sabia o que viria a seguir, conhecia bem aquela experiência. Escolheria alguns filmes bobos de prateleira e me imaginaria em tais situações: uma cavalgada por um bosque pouco estreito, uma conversa ao pé do ouvido numa rua deserta e orvalhada, ou uma corrida de patins preenchida por devaneios. Nada disso iria acontecer, não naquela noite, mas eu ainda poderia sonhar.

Quando, na verdade, o que mais quero é muito pouco.

Eu queria bater de leve na porta do teu quarto e dizer ‘boa noite’. Olhar-te um pouco mais de perto, só mesmo olhar. Eu queria compartilhar contigo aqueles lençóis envelhecidos e acomodar meu corpo fino sob o mesmo espaço que o teu estaria a ocupar. Eu queria um pouco do teu cheiro no meu travesseiro fofo. Deitaríamos um de frente para o outro e eu estaria usando uma transparência, mas não nos tocaríamos. Não sou tão audaciosa. Te desejaria boa noite e fecharia os olhos. E então, eu iria querer que os tão sonhos fossem bons e que eu estivesse presente em algum deles. Eu iria querer que o teu sono fosse leve, para que pudesse me notar ao seu lado a cada despertar durante a noite. Eu queria que você percebesse que eu sei tudo aquilo que você acredita ser o único a saber. Eu queria que você me flagrasse em um dia qualquer parada a porta do teu quarto, embrulhada em um lençol amarelado e cheirando a sabão. E então, eu iria querer te dizer um ‘boa noite’ aparentemente involuntário, baixinho, quase cantado. Eu queria que ainda estivesses sonolento e que não visses quando eu depositasse um pouco de leite e alguns biscoitos de morango ao pé da tua cama. E então, eu iria querer apanhar o teu óculos que você insiste em deixar deslocado pelo chão. O colocaria sobre a mesinha que já ostentava um pequeno abajur e um livro a dias marcado na página noventa e oito. Eu queria que os meus olhos mantivessem-se covardes e permanecessem ali por um pouco mais de tempo. Mendigando por um pouco mais da tua imagem em meio àquela escuridão. Eu queria abaixar-me e soprar um pouco de ar quente em tuas bochechas, mas não me daria ao direito de encostar os meus lábios na tua pele adormecida. Eu queria te desejar boa noite por todas as noites de todos os meus dias. Eu queria que você estivesse aqui comigo, nesse sábado noturno e solitário. Eu queria que você não estivesse por aí, disseminado pelo mundo a fora. Eu queria tanto.

O começo do fim (1)

domingo, 13 de setembro de 2009


Perdoem meus erros imperdoáveis. Se antes eu não sabia o que fazia, hoje, ainda não sei. É preferível lembrar o que foi bom. Aqueles risos que ousaram ao acreditar que jamais chegariam ao fim. Aquelas tardes silenciosas em que nos uníamos pelo simples prazer de estarmos juntos. Aquele choro salgado que se tornou doce ao misturar-se com o teu sorriso. Aquela vontade de ficar perto e brindar à liberdade, à grandeza e imensidão de possibilidades por sermos jovens. Não me vire o rosto, estenda-me a tua mão. Eu quero ver todos os músculos do teu rosto se contrair quando você sorrir para mim. Não tive a intenção de te magoar, jamais passara por minha cabeça te deixar. Esse poderia ser o nosso final feliz. Todos vocês, foram tantos os que passaram por mim, e eu ainda não esqueci. Me falta esquecer o cheiro de cada cabelo, o toque de cada abraço e o calafrio de cada beijo. Se antes poderíamos ser qualquer coisa, tudo aquilo que quiséssemos, hoje, ainda é assim. Como passarinhos que cortam o horizonte e fazem seus ninhos sobre telhas e sob estrelas. Como peixinhos azuis que bastante satisfeitos com a própria vida, não se aventuram a viver fora d'água. Como aqueles balões coloridos que usei pra comemorar teu último aniversário, mas que poderiam me levar às alturas, onde somente as nuvens me fariam companhia. Perdoe-me as piadas infames, os risos estridentes, a ausência que se fez presente. Tudo aquilo que deixamos pra depois. O rosto pintado com pó de arroz, o primeiro amor que não durou para sempre. Estamos chegando ao fim, e esse poderia ser o nosso final feliz. Deixemos as sobras para depois, há tão pouco tempo para tudo o que ainda não vivi. Um novo mundo nos espera, onde não sei se o ruído do vento junto ao seu sopro a bagunçar meu cabelo, fará meu pé esquerdo levitar ao trocar contigo aquele olhar e o teu lábio morno vir de encontro ao meu. Deixemos as sobras para depois, vamos aproveitar o amor que resta a nós dois. Só enquanto somos jovens, enquanto estamos aqui. Porque metade de mim sou eu mesma, e a outra metade são vocês.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Está tudo tão quieto que chega a assustar. Minha garganta está seca. Talvez pelo copo de água que ainda me falta tomar após o despertar, ou pelas palavras que se esquivaram durante a conversa de ontem à tarde. Está tudo tão quieto. Mal posso ouvir os sons ruidosos que vêm da rua deserta. As flores estão cantando a primavera, enquanto o inverno canta e encanta e entrelaça-se, cruel, em meu coração. Está tudo tão quieto. As nuvens estão ausentes, descrentes, quase se diluindo a um mero resquício de fumaça. Sem encanto, contentamento, uma fumaça qualquer - como as que saem das fábricas ou dos canos sujos de carros novos. Está tudo tão quieto. Minha memória está vaga, falha, já não diferencia o que aconteceu do que está por vir. Hoje, assumi em público a minha paixão. As luzes que ontem se acenderam na orla, não se acenderam por nós dois. Não foi por nós dois que aquela música ficou para depois. O mundo não precisa de você para girar nem as flores para desabrochar. O sol não precisa de você para brilhar nem o trânsito para infernizar. Todas as coisas estão ai, cada uma em seu devido lugar. A folha da bananeira não precisa de você, a sombra da macieira, também não. Um prédio de vinte e três andares, um maço de cigarros ou aquele livro de capa dura, não precisam de você. Os meus cabelos e os meus olhos, e a minha boca e a minha pele, o meu seio e o meu colo, o meu relógio e o meu café, e até a minha cama não precisa de você. Hoje, assumi em público a minha paixão. Está tudo tão quieto. E eu aqui, tentando me convencer de que não preciso de você.

Querido Matheus,

domingo, 6 de setembro de 2009

Moro em uma casa engraçada. A grade da janela do meu quarto está um pouco enferrujada. Na sacada, algumas folhas meio amareladas. Ouço ruídos de sorrisos vindo da escada. Meu coração está quieto, assustado. Os passos são leves, como brisas de uma manhã com o rosto exposto ao sol. Posso até sentir o teu calcanhar pulsar de encontro ao próximo andar. Tem uma flor murcha presa no meu cabelo cor de marfim. O relógio de pulso parece estar parado, esqueci de organizar as roupas amontoadas no armário.

Poderia compor uma sinfonia, criar a mais bela melodia. Poderia te ensinar a dançar, deixar o fresco ar nos guiar. Poderia até te desenhar, ressaltando os traços das tuas bochechas e os fios das tuas sobrancelhas. Poderia ser borboleta, você, meu passarinho.

Ah passarinho, voa por aqui. Sobe de leve pela escada da minha casa envelhecida, sem fazer estrondo. Como num sonho pouco comum, vem me despertar acariciando minha pele.

Querido Matheus,

sábado, 5 de setembro de 2009

Hoje eu dormi um pouco mais que em dias comuns. Não tenho planos, não há roupa alguma separada para mais tarde eu usar. Meu cabelo está arrumado, mas não estou maquiada. Você poderia vir para cá, poderíamos conversar. Não sei se você sabe, mas as coisas não vão bem. Estou tão confusa, precisando de alguém. Você não quer ser esse alguém, não é mesmo? Talvez eu passe no mercado e compre sementes de girassol, caso contrário, deito-me em uma rede voltada para o sol e perco-me pensando no acaso. No acaso, no nosso caso que ainda está pra acontecer. Vê se passa por aqui esses dias, to com vontade de te ver.