sábado, 24 de outubro de 2009


Comprei sementes nessa manhã. Mamãe disse que algumas delas fazem nascer caju! Veja só! É uma pena eu não gostar de caju. Quando sentimos aquela dor no peito que parece querer nos sufocar e todos os nossos sentidos amargam na boca, pensamos logo ser a dor de amor... talvez seja só caju. Quando eu for embora, levarei as sementes que comprei para o meu planeta. Talvez, quem sabe, eu possa diminuir a aflição dos apaixonados. Levarei também novas espécies de flores e um pouco de mel para as abelhas pequeninas que vivem no meu jardim. Tão majestoso e amplo é o meu jardim! Estou indo embora, na verdade, já passa da hora de ir... ir de volta para o meu planeta. Lá não existem minhocas para devorar minhas rosas e o sol aparece à hora que eu quiser. Todas as pessoas cantam sem desafinar e as casas não possuem grades, paredes largas ou janelas fechadas. No meu planeta as passagens são mais belas, mas, cá entre nós: os dias se passam mais depressa. No planeta de vocês as coisas são maiores, mais exaltadas e mais apaixonadas. Existe um moço, um moço bonito... que prendeu minha atenção. Façamos as contas! Vinte raios de sol mais sete noites de lua cheia e ele terá 17 quando no meu planeta já terei 36! Já passa da hora de ir embora, talvez eu conheça o Havaí na viagem de volta.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009


Estávamos chegando ao fim de junho. As temperaturas eram amenas, com ventos tranqüilos e chuviscos preguiçosos a espera do crepúsculo. Pequenos arranhões dourados irritavam minha pele. Senti calor. Afastei com as mãos, forçando as pálpebras a permanecerem fechadas, aquilo que me roubava o sono.


Quantas coisas cabem num fim de tarde?

Havia uma atmosfera aveludada circundando o ambiente, e eu parecia estar dormente. Feixes de luz solar cortavam as ainda amarelas cortinas do meu quarto de hotel. Os olhos, por fim, abriram. Já passava das quatro da tarde. Castiguei-me com um banho frio, comi algumas bananas com leite e canela. Cumprimentei a tarde de primavera. O bloco de notas e a caneta de tinta preta já estavam a minha espera.

Fórmula do amor

domingo, 4 de outubro de 2009

Eu não saberia dizer a fórmula para o preparo correto de um coração, eu não saberia mesmo supor de que eram feitos os corações. Mas, de uma coisa eu estava certa: os nossos eram iguais. Todas as coisas, banais ou fundamentais, tornavam-se muito melhores quando ele estava por perto. Aquele súbito e infame amor do princípio, aquele velho amor ainda e sempre.

Nessa manhã, mostrou-me um sorriso e eu fiquei feliz. Não por eu ter sorrido após, e sim por fazê-lo sorrir como se somente isto o bastasse. A verdade é que o basta. Miro não precisa de muito para ser feliz, ele já nasceu assim. Ele é o pequeno anão contente da Branca de Neve, enquanto os outros são zangados, cheios de propósitos. É só uma mania desnecessária de grandeza, que nos últimos dias eu desaprendi a ter.

Eduardo, pequeno Edu

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O escuro estava reinando naquela noite de lua cheia que tencionava ser clara como um foco de luz. Eduardo evitava falar qualquer coisa, por mais esforço que isso lhe custasse. Todos os ouvidos pareciam estar atentos ao seu discurso infeliz. Seu amor por Júlia sempre fora muito mais bonito nas idéias do que nos atos, sempre fora mais feliz na utopia do que na realidade. Ela pertencia ao seu castelo imaginário. E, embora estivesse hoje com seus vinte anos, ainda refugiava-se na envelhecida casa da árvore construída outrora por seu pai. Eduardo ia para lá sempre que o dia teimava em decepcioná-lo e só quando ele ia embora é que saía. Não havia janela, mas havia uma árvore. A árvore cortava o chão torto e o teto destroçado que cheiravam a madeira velha e mofada. Ela era gorda, gorda de folhas verdes e algumas amarelas. Quase quinze anos passara-se desde a sua construção, mas a cumplicidade entre amador e coisa amada permanecia inalterável. A pequena casa iria guardar suas confidências e calar seu choro salgado. Estava acostumada ao menino esquisito que tinha medo de ir à escola sem Snop - seu bichinho de estimação -, ou que nunca aprendera a jogar futebol. A família sabia que a casa azul com listras brancas acima da pequena árvore próxima a piscina, resumira-se ao mundo de Edu. Era o seu mundo, não poderia ser de mais ninguém. Até que, numa tarde em que o sol não satisfeito com o céu, insistira em cortar os galhos de sua amiga e pintá-los de dourado, Edu levou a pequena Júlia Maria para conhecer o mundo de um menino de onze anos. Foi a primeira vez que a pediu em namoro.

Pecado é separar quem se gosta assim

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Meus olhos encheram-se de lágrimas ao devorarem aquelas palavras pretensiosas e cruéis. Minha vontade era não as ter lido, para que elas se sentissem coagidas a voltar envergonhadas e silenciosas para Campinas.

Meu rosto risonho se desfez em melancolia e já não havia razão para alegria. Tem dias que as coisas são mesmo assim, desordenadas. Eu teria que voltar para uma casa que não mais saberia como me abrigar. Tudo estava torto, e, mesmo com boas intenções, não poderia endireitar.


Miro estava fora. Reservei minha passagem para dali a quatro horas. Era tempo de arrumar uma pequena mala, recolher-se em um casaco lilás e comprometer-se a voltar de coração e braços abertos.

Eu não poderia promover despedidas, seria desumano. Sentei-me em um banquinho curvado e revestido por um manto azul claro. E antes que pudesse pensar em algo para escrever, as palavras já haviam ido, corriqueiras, para o papal perfumado a minha frente. Não sei como, mas desenhei a maior delícia de um beijo e um pedaço do meu coração ali, aqui:

“Muitas vezes pensei como seria se alguém como você aparecesse de repente na minha cozinha ou parado em um sinal de trânsito, no natal ou no dia do meu aniversário, mostrasse os dentes brancos - com somente um torto na região inferior - e me abraçasse pela primeira vez. Como você me chamaria? Será que eu teria um desses apelidos que mais ninguém tem? E durante as noites em que sonhos malvados viessem me atormentar, eu acordaria e não poderia me mexer, com os olhos serrados. Você iria me abraçar e dizer que tudo estava bem? Eu já estaria tão acostumada aos teus abraços. Será que eu te acharia se você não tivesse me achado? Será que você me reconheceria, mesmo sem nunca ter me visto? Eu certamente reconheceria você. É que o meu príncipe se parece bastante contigo. Na verdade, ele é a sua cara. Tem a boquinha pequena assim. Hoje, as coisas estão diferentes, até de coração já podemos trocar. E aí, me veio você. E eu prefiro sentir saudades, prefiro afundar-me em riscos e incertezas, a perder a oportunidade de viver algo mágico e sentir algum alívio nesse mundo louco. Existirá a dor, mas quem se importa? Tudo está bem, eu encontrei você... Para me hipnotizar, me paralisar. Para me fazer esquecer qualquer problema, qualquer dificuldade. Para me simplificar, envenenar, imortalizar. Distração pros meus dias difíceis. Com você, por você e como você, vale à pena. É a melhor forma que encontrei para amar."