Meu Telhado Azul

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quando dei por mim, já estava assim, perdida. A caixa aberta. Papelão. Alguns cadernos rabiscados. Caligrafia pobre, erros no meu já ruim português. E toda aquela distração... Algumas sandálias, entre elas, meu primeiro salto. Um pouco de maquiagem quebrada que, certamente, não irei usar na nova casa. Um novo lar. Uma tinta para o cabelo, aquela que nunca tive a coragem de usar. O segredo guardado a sete chaves embaixo da cama que nunca pude revelar. A embalagem do bombom que ele me deu. O cheiro doce do perfume que já usei. A boneca envelhecida que há muito esqueci. Meu pequeno mundo em uma caixa de papelão. Todas as lembranças, o que há de bom e também o que há de ruim. Recordações amontoadas, angustiadas, tentando se sobressair e ocupar um mínimo espaço dentro daquela caixinha antiga. A promessa calada. "Não mais responder o papai, não mais aborrecer a mamãe. Nada de pesca na escola, nada de doces antes do jantar. Nada de beijos treinados em frente ao espelho, nada de vinganças juradas. Nada de detestar a Vanessa, ou a Paula. Prometo não mais pensar no Rafa, também. Prometo passar no vestibular e entrar na academia. Prometo passar um mês completo na academia!" Todas aglomeradas, apertadinhas. E o primeiro beijo, tantas vezes recordado pré-sono... Mereceria esse sair do meu armário? Os fios de cabelo que guardei. A cartinha que recebi. O vestido que usei em minha festa de quinze anos! A página da revista que arranquei com o mais belo vestido, aquele que não usei. A tequila que me desceu rasgando. Ah, a primeira tequila. E agora choro. Vejo o quanto não passo de uma promessa. Um até logo, um até breve. Tudo aquilo que não disse ou que deixei de fazer. O sonho de ser uma estrela, de manter-se intacta, imune ao brilho das demais. Em meio a minha desordem, me vejo refletir naquela bagunça organizada. Vou engolindo a loucura, o orgulho, os bons livros que trago na estante empoeirada. Descabelada, alucinada, deixo a minha casa. A minha infância, repleta de dentes moles e fraldas frouxas. A minha adolescência, cheia de amores e desamores devidamente sofridos e degustados. As amizades que perdi, outras tantas que achei. E, quando necessário, toda a loucura sobrecarregada que joguei pro espaço e deixei rolar. To indo embora, embora eu vá sem trocar de roupa. Embora eu tenha medo dessa nova vida, dessa nova página... Então, fique por aqui, me veja sair, me faça companhia. Feche a porta as minhas costas. Conte até três e segure forte a minha mão. Mesmo que eu não conheça teu rosto, tua voz, mesmo sem saber se tua boca é amarga ou não... Eu to indo embora e preciso de alguém que segure minha mão.

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